Yucatán pt. 3 - Famílias zoológicas e suas relações

Um resumo das famílias de animais que eu vi aqui e nunca tinha visto antes. E alguns outros clados com implicações biogeográficas interessantes.

Cob-há e seus arrededores

Stephanidae (vespa comprida em uma árvore, nas ruínas de Cob-ha):
Cosmopolita, concentrada nos trópicos. Reconhecíveis por seus ocelos em uma "coroa" mais alta, no dorso da cabeça. Era um macho, então não tinha o grande ovipositor característico. As fêmeas se especializam em botar ovos nas larvas de besouros que vivem dentro das árvores. São inclusive usadas como controle biológico em alguns lugares.

Geoemydidae e Emydidae (tartaruga de criação na casa do dono de um restaurante):
Eu vi o único gênero de Geoemydidae presente nos Neotrópicos; os outros são da América do Norte ou do velho mundo. Desovam muitas vezes ao ano, em pequenas ninhadas (estratégia r?) e apresentam uma ampla gama de hábitats. Emydidae por sua vez tinham uma distribuição oposta: um gênero no velho mundo e o resto nas Américas, desde o Canadá até a Argentina. Só tinha visto a espécie doméstica (Trachemys scripta) e foi muito interessante ver um parente tão próximo dessa velha conhecida no seu local de origem.

Phasianidae (o lindo pavo silvestre, andando confiantemente pelas ruínas)
Nunca tinha visto um Phasianidae selvagem, já que eles não ocorrem naturalmente na América do Sul. Essa família é muito conhecida, incluindo codornas, galinhas e perus, mas tem alguns outros membros incríveis, com essas penas e peles de cores absurdas e eu fiquei um bom tempo parado na frente desse bicho, olhando a luz refletindo nas multicores das penas, quando vi ele tranquilamente passeando entre os turistas. Ele não só parecia acostumado com os turistas como até partiu para cima de mim quando eu cheguei perto demais.

Muyil, as ruínas, as cavernas e a mata alagada

Phrynidae (amblipígio, em uma pequena caverna em Muyil):
Nunca tinha visto um Amblypygi antes!! Eles são incríveis, não só pelo tamanho que alcançam mas também pela sua aparência amedrontadora. Habitam todos os trópicos, mas nas Américas só entre o Norte de Minas e o sudoeste dos EUA. Eram bastante comuns nas cavernas da península, e provavelmente substituíam os opiliões Goniosomatinae abundantes nas cavernas do Brasil. Se isso for verdade, eles devem ser detritívoros generalistas, com hábitos troglófilos a troglóbios. Apesar disso, eles são muito mais ativos e medrosos que opiliões, que nem se quisessem poderiam correr para se esconder como fazem os amblypygi.

Mayagrillus (grilo-aranha, cavernícola, em Muyil):
Esse Phalangopsidae provavelmente ocupa o nicho dos Endecous e Eidmanacris nas cavernas do Sudeste. Quis por aqui por esse dado bioespeleológico e pelo nome legal.

Emballonuridae (morcego-perro, na mesma caverna):
Eles ocorrem em todas as regiões tropicais, e esse mesmo gênero (Peropteryx) está presente nas cavernas do Alto Ribeira! Talvez eles sejam especializados em cavernas carbonáticas, porque não ocorrem em Valinhos.

Neocyclotidae (concha de caracol na floresta alagada de Muyil):
Distribuição pantropical. Caracóis terrestres com opérculos no pé e guelras em vez de pulmões. Não entendo nada de Gastropoda então não sei dizer alguma coisa sobre seu nicho. Sua concha me chamou a atenção por ser o meio termo entre uma espiral plana e um cone.

Annulariidae (caracol no banheiro do centro de visitantes de Muyil):
Essa família é endêmica do Caribe! Suas conchas são alongadas e pequenas, me lembrando alguns Orthalicoidei do Brasil. Talvez tenham um nicho ecológico similar, mas de novo eu não sei nada de caracóis.

Atelinae (se balançando sobre as ruínas)
Observei um Ateles geoffroyi, macaco-aranha nativo da América Central, desde o norte da Colômbia até o sul do México. Aparentemente ele é substituído por outra espécie, A. fusciceps, nos Andes colombianos, e depois por muitas espécies na planície Amazônica. Ele não parece ser muito especialista em algum ambiente em específico, talvez pela falta de competição de outras espécies.

Recifes de Yucatán

Plagusiidae (um caranguejo de um recife de coral de Sian Ka'an):
Outra família pantropical. São parentes próximos dos Grapsidae, mas convivem com eles na maior parte da distribuição. Isso me faz pensar que existe diferenciação de nicho, mas também achei poucas informações sobre isso. É possível que essa família seja parafilética, então talvez não se tenha muitas informações.

Octocorallia (os corais moles, inclui as górgonas e Elliseliidae):
O grupo é caracterizado pela presença de um esqueleto ramificado e em muitos casos bidimensional, formando lindos leques coloridos cheios de pólipos 8-simétricos. Ambas as famílias que eu vi são pantropicais, com grande diversidade no Caribe e na Australásia.

Chitonidae (quitones, bastante comuns nas piscinas de maré e recifes):
Reconhecíveis por suas 8 placas dorsais. Essa família tem uma distribuição muito estranha: é amplamente distribuída pelo globo, tanto em regiões temperadas quanto tropicais, em todos os lugares do mundo EXCETO no Atlântico brasileiro e africano. Isso me faz pensar em uma distribuição global Gondwânica, e que por algum motivo eles não foram capazes de colonizar a nova costa que se abriu no Cretáceo. Talvez isso seja por exclusão competitiva com os Ischnochitonidae, que dominam as costas do Brasil e são os mais familiares para mim (na África é difícil afirmar qualquer coisa pela falta de amostragem).

Pocilloporidae (coral pequeno e redondo, nos recifes de Sian Ka'an):
Mais uma família com distribuição pantropical, mas com um tanto de representantes no Mediterrâneo. São basicamente presentes em todos os recifes de coral do mundo, com grande diversidade no Caribe e na Australásia.

Lucinidae (concha de mexilhão nos recifes de Sian Ka'an):
Que família interessante! Distribuição cosmopolita (exceto Antártida), tropical, temperada e polar. As conchas em geral tem borda arredondada e linhas concêntricas, mas a característica principal é endossimbiose com bactérias oxidantes de sulfato. As bactérias vivem em órgãos especializados e oferecem nutrientes em troca de proteção e um aporte constante de sedimentos ricos em enxofre. Essa característica permitiu que essa família, no cretáceo superior, sofresse uma irradiação evolutiva, pois foram capazes de colonizar mangues e pastos marinhos, ambos com solos ricos em enxofre.

Mellongenidae (conchas bonitas e espinhudas na areia):
Não consegui encontrar muita informação sobre essas, mas parecem ter uma distribuição cosmopolita, com algumas espécies de água doce. As conchas quase sempre tem ornamentações interessantes e elas tem hábitos bentônicos.

Labridae (peixe tímido nadando nas piscinas de maré)
Peixes pequenos e carnívoros, geralmente coloridos, habitam o mundo inteiro mas seus centros de diversidade são as zonas coralíferas. No geral eles sempre vivem seguindo peixes maiores e suas trilhas de restos de comida ou perto do substrato, como o que eu vi em Xel-ha.

Estuários de Yucatán

Ordem Crocodylia (boiando calmamente sob uma ponte sem parapeito em Sian Ka'an):
A ordem não precisa de introdução. Eu vi dois indivíduos, boiando preguiçosamente no estuário sob a estrada que leva à Punta Allen em Sian Ka'an. Um deles segue sem identificação, mas o outro é um Crocodylus acutus. Esta espécie é encontrada no sul dos EUA, no Caribe e América Central, e no Norte da América do sul até os mangues de Tumbes, no Peru; por ser tolerante a águas doces, salobras e salgadas, pode habitar muitos ambientes diferentes. Porém, sempre perde para o Crocodylus rhombifer onde este ocorre.

Colubridae (cobra nariguda verde, engolindo um Mimus gilvus em Xel-ha):
Sou muito ruim em ver qualquer animal arbóreo que não faça muito barulho. Por sorte alguém me apontou essa cobra incrível que estava só a 3m de altura engolindo um pássaro. Eu já tinha visto outra colubridae, mas só uma cobra-cipó marrom e terrestre, nunca alguma dessas verdes e arbóreas. Tinha que me acostumar a olhar mais para cima. Essa espécie (Oxibelis fulgidus) ocorre desde Yucatán até a Amazônia.

Ordem Sirenia (peixes bois tão grandes que pareciam pedras, pastando em Xel-ha):
Também não precisam de introdução. Foi de tirar o fôlego ver esses animais em seu ambiente natural, eles são absolutamente enormes, muito muito fofos e calmos. Essa espécie vive em água salgada, salobra e doce, nas costas desde a Florida até o Sergipe, e se alimenta de pastos aquáticos, raízes de mangues e algas. Este indivíduo estava em semi-cautiveiro: seu hábitat original foi cercado e ele não podia sair, mas ele recebia comida regularmente.

Chondrychthes (uma arraia na praia rasa do estuário de Xel-ha, minha primeira vez vendo uma :)
Nunca tinha visto nenhum peixe cartilaginoso! As arraias que eu vi eram da família Potamotrygonidae, a mesma família das arraias venenosas da Amazônia. Esse gênero (Styracura) pertencia a outra família até 2016 e são os únicos membros marinhos no grupo. Algumas modificações como o veneno estão ausentes, o que me faz pensar que o grupo é basal na família, e além disso seu hábitat marinho faz pensar que essa é a condição ancestral do grupo.

Pelecanidae (pelicanos nas praias, recifes e estuários da costa):
Outro grupo que não precisa de introdução. O que mais me chama atenção, na verdade, é o fato de que até esse momento eu nunca tinha visto um. Eles são praticamente ausentes da costa leste da América do Sul, e não consegui encontrar motivos. Aparentemente eles existiam na Argentina até Mioceno (Noriega et al. 2023) e desapareceram quando se fechou o mar interior do Chaco-Paraná. Talvez seja competição com outra ave que ocupe o mesmo nicho? Ou algum peixe?

Albulidae (no estuário de Xel-ha, nadando em cardumes pequenos):
Peixes tropicais e subtropicais do mundo inteiro. Se alimentam de invertebrados bentônicos em bancos de areia e lama, em águas salobras. Sua boca é um pouco ventral e usam seu "focinho" para escavar o substrato.

Kyphosidae (muito comuns em Xel-ha, mas quase sempre nadando sozinhos):
Mais uma família cosmopolita, com maior diversidade em áreas coralígenas. A família no geral também se alimenta de benton, mas o que eu vi comia algas. Esse padrão de distribuição parece ser bem comum, provavelmente pela falta de barreiras de distribuição no mar.

Belonidae (peixes-crocodilo, que nadavam sempre perto da superfície)
Cosmopolita. Esses peixes chamam a atenção por sua boca alongada como um Garial, que é cheia de dentes e é usada para caçar peixes menores que nadam perto da superfície. Teoricamente sua coloração é críptica mas era muito fácil vê-los de cima e de lado. Devem ser um ótimo petisco para um biguá.

Lutjanidae (peixes de fundos arenosos ou rochosos, em Xel-ha):
Mesmo padrão de distribuição. Para ser sincero, é difícil se interessar muito por peixes ósseos. Esses também são carnívoros, se alimentando de invertebrados ou peixes menores.

Chichen Itzá, no bosque seco yucateco

Iguanidae (as iguanas negras, muito comuns nas ruínas maias, eram associadas ao submundo):
Uma família que estava na minha lista há muito tempo! Lagartos incríveis, grandes e rápidas como um teiú. Esse nicho dos lagartos grandes, rápidos e terrestres me interessa bastante: parece que na faixa tropical e subtropical do mundo inteiro existe algum lagarto com essa ecologia, e são várias famílias bem distantes! No sul da América do Sul, a leste dos Andes, é Salvator merianae, e do outro lado dos Andes vemos Callopistes maculatus (ambos Teiidae). No Caribe e América do Norte, os Iguanidae tomam o lugar e são muito comuns. Enquanto isso, no velho mundo quase inteiro, os Varanidae reinam (com exceção das ilhas Canárias, onde os Lacertidae ficaram enormes, nas Fiji onde as iguanas chegaram, e alguns Agamidae nas partes mais áridas). Notoriamente, alguns locais contam com uma diversidade considerável de lagartões: no Norte do Perú/Sul do Equador convivem Teiidae (Callopistes flavipunctatus) e Iguanidae (Iguana iguana). Minha hipótese é de que nesses locais, as iguanas acabam ficando mais arborícolas, como diferenciação de nicho. Talvez o mesmo ocorra na Amazônia, onde ocorrem não só 2, mas pelo menos 4 espécies (Iguana iguana, Tupinambis teguixin, Tupinambis cuzcoensis e Dracaena guianensis).

Phrynosomatidae (pequenos lagartos correndo entre as ruínas da velha estrada maia (sacbé):
Lagartos pequenos, gostam de vegetação mais aberta e são restritos à América do Norte e Central. É uma família bem comum no continente, com representantes icônicos como os lagartos espinhudos, que choram sangue. Queria ver mais dessa família algum dia.

Posted on June 20, 2024 01:57 AM by luisfelipe4 luisfelipe4

Observations

Photos / Sounds

Observer

luisfelipe4

Date

December 29, 2023 12:54 PM EST

Photos / Sounds

What

Mesoamerican Slider (Trachemys venusta)

Observer

luisfelipe4

Date

December 29, 2023 04:15 PM EST

Photos / Sounds

What

Furrowed Wood Turtle (Rhinoclemmys areolata)

Observer

luisfelipe4

Date

December 29, 2023 04:19 PM EST

Photos / Sounds

Observer

luisfelipe4

Date

December 30, 2023 01:04 PM EST

Photos / Sounds

What

Lucine Clams (Family Lucinidae)

Observer

luisfelipe4

Date

January 1, 2024 03:03 PM EST

Photos / Sounds

What

Tidal Spray Crab (Plagusia depressa)

Observer

luisfelipe4

Date

January 1, 2024 03:10 PM EST

Photos / Sounds

Observer

luisfelipe4

Date

January 1, 2024 03:11 PM EST

Photos / Sounds

What

Sea Whips (Family Ellisellidae)

Observer

luisfelipe4

Date

January 1, 2024 03:22 PM EST

Photos / Sounds

What

Cozumel Spiny Lizard (Sceloporus cozumelae)

Observer

luisfelipe4

Date

January 1, 2024 03:58 PM EST

Photos / Sounds

Observer

luisfelipe4

Date

January 1, 2024 04:02 PM EST

Photos / Sounds

What

Ocellated Turkey (Meleagris ocellata)

Observer

luisfelipe4

Date

December 29, 2023 04:47 PM EST

Description

Agresivo

Photos / Sounds

Observer

luisfelipe4

Date

December 30, 2023 01:19 PM EST

Photos / Sounds

What

Central American Spider Monkey (Ateles geoffroyi)

Observer

luisfelipe4

Date

December 2023

Photos / Sounds

Observer

luisfelipe4

Date

December 30, 2023 01:50 PM EST

Photos / Sounds

What

Dusky-handed Tailless Whip Scorpion (Paraphrynus raptator)

Observer

luisfelipe4

Date

December 30, 2023 01:53 PM EST

Photos / Sounds

What

Lesser Dog-like Bat (Peropteryx macrotis)

Observer

luisfelipe4

Date

December 30, 2023 01:56 PM EST

Photos / Sounds

What

Black Spiny-tailed Iguana (Ctenosaura similis)

Observer

luisfelipe4

Date

December 31, 2023 12:33 PM CST

Photos / Sounds

What

American Crocodile (Crocodylus acutus)

Observer

luisfelipe4

Date

January 1, 2024 04:28 PM EST

Photos / Sounds

Observer

luisfelipe4

Date

January 1, 2024 04:34 PM EST

Photos / Sounds

What

West Indian Manatee (Trichechus manatus)

Observer

luisfelipe4

Date

January 2024

Photos / Sounds

What

Green Vine Snake (Oxybelis fulgidus)

Observer

luisfelipe4

Date

January 3, 2024 02:07 PM EST

Photos / Sounds

What

Brown Pelican (Pelecanus occidentalis)

Observer

luisfelipe4

Date

January 3, 2024 03:46 PM EST

Photos / Sounds

What

Crocodile Longtom (Tylosurus crocodilus)

Observer

luisfelipe4

Date

January 3, 2024 04:08 PM EST

Photos / Sounds

What

Bermuda Chub (Kyphosus sectatrix)

Observer

luisfelipe4

Date

January 9, 2024 11:10 AM EST

Photos / Sounds

What

West Indian Fuzzy Chiton (Acanthopleura granulata)

Observer

luisfelipe4

Date

January 3, 2024 11:36 AM EST

Photos / Sounds

What

Bonefish (Albula vulpes)

Observer

luisfelipe4

Date

January 2024

Photos / Sounds

What

Caribbean Whiptail Stingray (Styracura schmardae)

Observer

luisfelipe4

Date

January 3, 2024 11:36 AM EST

Photos / Sounds

What

Crocodile Longtom (Tylosurus crocodilus)

Observer

luisfelipe4

Date

January 3, 2024 11:36 AM EST

Photos / Sounds

What

Wrasses and Parrotfishes (Family Labridae)

Observer

luisfelipe4

Date

January 3, 2024 11:36 AM EST

Photos / Sounds

What

Schoolmaster Snapper (Lutjanus apodus)

Observer

luisfelipe4

Date

January 3, 2024 11:36 AM EST

Comments

No comments yet.

Add a Comment

Sign In or Sign Up to add comments